"Eu sei, mas não devia. Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia..."
A gente se acostuma a não dialogar com a família e não ter intimidade com nossos familiares. E por que não dialoga, tenta fazer descobertas em outros lugares. E por que faz descobertas em outros lugares, aprende coisas erradas. E à medida que se acostuma, se perde pelo mundo.
A gente se acostuma a não querer ir para a escola. A achar que é tudo muito difícil e complicado. E assim tudo se torna exagerado e difícil de entender, fazendo da escola uma prisão e um terror brutal diário.
A gente se acostuma a ir trabalhar pensando que é mais um sacrifício que temos que a fazer, mais uma obrigação, mais uma rotina. E assim tudo se torna monótono, chato, grudento. E assim ficamos tentando lembrar quando é o próximo feriado e se está chegando o final de semana. E se não tiver nada pra fazer neles não importa, fica em casa de pijama jogado no sofá, colocando o sono em dia.
A gente se acostuma a ficar sozinho. Ficar triste, carente, desamparado. E quando chega alguém que vale a pena, a gente desconfia, pensa que é bom demais pra ser verdade, fica com a pulga atrás da orelha pensando besteira. E logo aquele alguém some, mas não por ser ruim pra gente, mas sim por termos pensado besteira.
A gente se acostuma a aceitar a violência, a guerra, a pobreza. Ver um mendigo jogado na rua e logo pensar que ele merece estar ali. E logo não poder pensar em sair pelas ruas à noite. E logo não poder andar pela praia sozinha, pelo campo, pela estrada, sem o primeiro pensamento de que se pode ser assaltada. E logo a gente se acostuma a não sair, a não ser feliz , e logo a gente se acostuma com essa rotina infeliz.
A gente acostuma, mas não devia.
Ariane Pagnussat
Turma: 303
Professora: Ana Maria
Releitura da crônica "Eu sei, mas não devia" - Marina Colasanti
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